O sistema educacional brasileiro apresenta igualdade de oportunidades no tocante ao acesso e permanência no sistema, no entanto ostenta intensa desigualdade associada ao gênero.
Dados do INEP (2005) mostram uma tendência de igualdade na perspectiva do acesso ao ensino superior quando comparamos o ingresso de homens (45%) e mulheres (55%) entre 18 e 24 anos, e de homens (56%) e mulheres (44%) na faixa etária acima de 24 anos. Estes números permitem inferir que a barreira entre os sexos vem sendo rompida (BRASIL, 2008).
No entanto, estes mesmos números mostram que as mulheres são minoria nas áreas de engenharia e tecnologia, enquanto que predominam em cursos como secretariado, serviço social, pedagogia e enfermagem. É importante ressaltar que são entre os cursos mais pretendidos pelas mulheres que se concentram os menores percentuais de estudantes com maior renda, e isto garante que o perfil destes cursos seja composto na maioria por mulheres com menor poder aquisitivo quando comparado aos demais cursos.
Embora a questão de gênero seja estudada por pesquisadores/as (FARAH, 2001; MACEDO, 2006; ROSEMBERG, 2001; STROMQUIST, 2007; VIANNA, UNBEHAUM, 2004, 2006), estas preferências precisam ser analisadas com maior profundidade para identificar os aspectos que explicam esse fenômeno e as suas implicações.
Historicamente existe uma associação de determinadas profissões marcadas como masculinas ou femininas, possivelmente devido à cultura patriarcal que estabelece uma relação entre o sexo biológico e o desempenho de algumas atividades humanas, reproduzindo um fenômeno de sexualização/generificação das ocupações e carreiras.
Bourdieu (2005) afirma que as atividades estão distribuídas em pares de opostos, aquelas tidas como masculinas/públicas/descontínuas/extraordinárias em oposição àquelas tidas como femininas/privadas/contínuas/rotineiras.
O fato é que o maior número de mulheres nas universidades não tem refletido mudanças efetivas nas escolhas das profissões, pois estão relacionadas a relações de gênero socialmente construídas entre os sexos. Essas relações sobrepõem-se a identificação de sexo e estão relacionadas às complexas relações de poder que marcam a sociedade.
Para Boudieu (2005, p. 108, 109),
“[...] mudanças visíveis de condições ocultam, de fato, a permanência nas posições relativas: a igualização de oportunidades de acesso e índices de representação não deve mascarar as desigualdades que persistem na distribuição entre os diferentes níveis de escolaridade e, simultaneamente, entre as carreiras possíveis”.
Ainda de acordo com este sociológo, a escolha por determinadas profissões em detrimento de outras está associada a três princípios práticos: primeiro, as atividades as quais as mulheres sentem-se predispostas a executar são aquelas que representam o prolongamento das funções domésticas (ensino, cuidados, serviços); segundo, a mulher tende a desempenhar atividades que a coloquem em posição de subalternidade em relação aos homens; terceiro, o monopólio do homem no manuseio de objetos técnicos e de máquinas.
Diante disto, ainda que haja mudanças na condição de acesso e escolarização feminina, estas obedecem à lógica do modelo tradicional onde o homem mantém-se em carreiras que demandem autoridade e poder, sobretudo nas áreas de tecnologia, economia e política, enquanto que as mulheres ocupam espaços relacionados ao serviço social e a educação (hospitais e escolas).
Este modelo se perpetua a partir das práticas desenvolvidas pelo Estado, Igreja e Escola e, sobretudo pela Família. Estas estruturas, ao passo que reproduzem, mantêm as hierarquias (profissionais, disciplinares), bem como as predisposições hierárquicas que elas favorecem e que levam as mulheres a contribuir para sua própria exclusão dos lugares de que elas são sistematicamente excluídas.
Sobre a socialização das diferenças entre homens e mulheres e a influência da escola Boudieu (2005) afirma:
“A masculinização do corpo masculino e a feminilização do corpo feminino [...] determinam uma somatização da relação de dominação, assim naturalizada. É através do adestramento dos corpos que se impõem as disposições mais fundamentais, as que tornam ao mesmo tempo inclinados e aptos a entrar nos jogos sociais mais favoráveis ao desenvolvimento da virilidade: política, os negócios, a ciência etc. A educação primária estimula desigualmente meninos e meninas a se engajarem nesses jogos e favorece mais nos meninos as diferentes formas de libido dominandi, que pode encontrar expressões sublimadas nas formas mais “puras” da libido social, como a libido sciendi “ (BOURDIEU, , p. 70).
A mudança mais importante é que a dominação do homem sobre a mulher não são se impõe mais como algo evidente, natural e incontestável. Esta dominação é relacional e mutável, e resulta das relações estabelecidas em instâncias, como a família e a escola, que reproduzem e hierarquizam os gêneros a partir da diferença biológica entre os sexos, estabelecendo posições e ocupações desiguais entre homens e mulheres.
Eliminar as diferenças na escolha das profissões com base no gênero no ensino superior é o primeiro passo para consolidar a participação das mulheres em todas as profissões em que estas estão subrepresentadas (CONFERÊNCIA MUNDIAL..., 1998).
Diante destas colocações, destacamos que mudanças significativas ocorreram no sentido de ampliar o acesso das mulheres ao ensino superior. No entanto, obstáculos sociais, econômicos e, sobretudo culturais determinam permanências que impedem oportunidades iguais para homens e mulheres e superá-los é uma prioridade para a construção da equidade entre os gêneros.
1. BRASIL. Simpósio Gênero e Indicadores da Educação Superior Brasileira, Brasília-DF, 6 e 7 de dezembro de 2007 / comissão organizadora: Dilvo Ristoff ... [et al.]. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008. 176 p.
2. BARROSO, Carmen. Metas de desenvolvimento do milênio, educação e igualdade de gênero. Cad. Pesqui. 2004, vol.34, n.123 ISSN 0100-1574.
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação. Paris, 9 de outubro de 1998.
3. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
4. FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Rev. Estud. Fem. 2004, vol.12, n.1
5. MACEDO, Elizabeth. Por uma política da diferença. Cad. Pesqui. 2006, vol.36, n.128
6. VAVASSORI, Mariana Barreto. Mudanças e permanências: um olhar antropológico sobre as relações de gênero na cultura brasileira. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 14, n. 2, Sept. 2006.
7. ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990. Cad. Pagu, Campinas, n. 16, 2001 .
8. STROMQUIST, Nelly P. Qualidade de ensino e gênero nas políticas educacionais contemporâneas na América Latina. Educ. Pesqui. 2007, vol.33, n.1
9. THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, Feb. 2006.
10. VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: A herança sociológica. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 78, Apr. 2002 .
11. VIANNA, Cláudia Pereira and UNBEHAUM, Sandra. O gênero nas políticas públicas de educação no Brasil: 1988-2002. Cad. Pesqui. 2004, vol. 34, n.121.
12. VIANNA, Claudia and UNBEHAUM, Sandra. Gênero na educação básica: quem se importa? Uma análise de documentos de políticas públicas no Brasil. Educ. Soc. 2006, vol.27, n.95
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Articular os textos sugeridos na disciplina com o livro sobre Pedagogia Institucional e a palestra do professor Jacques Pain.
O objetivo desta resenha é articular os argumentos contidos no texto Estudos Culturais, Pedagogia e Educação (COSTA, SILVEIRA, SOMMER, 2003), Cultura Popular (FISKE, 1995) e o livro Introdução à Pedagogia Institucional (ANDRADE; CARVALHO, 2009). Para isto tecerei algumas considerações sobre este campo de estudo.
Estudos Culturais (EC) é um termo que abrange uma noção de cultura que ultrapassa o conceito artístico, parte de uma compreensão de cultura antropológica discutindo maneiras de viver, sentir e pensar próprios de um grupo social. Caracterizando-se como o estudo dos diferentes aspectos da cultura, se apropria de distintas disciplinas, buscando equilibrar os efeitos da hiperespecialização comum no espaço acadêmico. Neste sentido, é um paradigma que busca enfatizar e estudar a capacidade crítica dos sujeitos a partir das categorizações de gênero, raça/etnia, identidades sexuais, geração, entre outros. Este campo de estudo parte da perspectiva de que estes aspectos não podem ser encarados apenas como entidade natural, mas sim como uma dimensão produzida na/pela cultura e que, portanto, passam por elaborações culturais que estabelecem padrões de normalidade inseridos em determinado contexto, tempo e lugar. Neste cenário, poderes e saberes se assentam estrategicamente na sociedade, estabelecendo uma falsa ordem natural, hierarquizando os sujeitos. É neste mesmo cenário, em que estas distinções são desenhadas, que ocorrem os processos de permanências e resistências, todos objetos de estudo deste campo. Diferentemente de outras correntes teóricas, os EC buscam criticar estas relações e hierarquizações, como também propor mudanças.
Assim, um olhar mais cuidadoso permite perceber a cultura como um espaço de luta e contestação, onde os significados são fixados e negociados. E é nesta direção que a Pedagogia Institucional se insere. Considerada como uma nova vertente da educação, mesmo que discutida desde a década de 1960, caracteriza-se por criticar as instituições de ensino existentes, ao passo que busca ultrapassar os muros da escola e diversificar o papel do/a professor/a e do aluno/a. Esta metodologia de ensino busca transformar conflitos em situações de aprendizagem, busca promover através da diversidade existente entre alunos, o enriquecimento do grupo. Para atingir os objetivos a que se propõe lança mão de instrumentos, métodos e práticas orientadas ativamente, colocando o aluno em situações diversificadas, provocando a co-responsabilidade e o engajamento do grupo.
Diante dos argumentos expostos entendo que os EC culturais enquanto campo teórico abrange o estudo das mais diversas pedagogias culturais, constituindo-se como uma nova forma de perceber e criticar as questões educacionais e propor métodos que atendam ao propósito de transformar paradigmas cristalizados através das relações hierarquizadas entre os sujeitos.
Estudos Culturais (EC) é um termo que abrange uma noção de cultura que ultrapassa o conceito artístico, parte de uma compreensão de cultura antropológica discutindo maneiras de viver, sentir e pensar próprios de um grupo social. Caracterizando-se como o estudo dos diferentes aspectos da cultura, se apropria de distintas disciplinas, buscando equilibrar os efeitos da hiperespecialização comum no espaço acadêmico. Neste sentido, é um paradigma que busca enfatizar e estudar a capacidade crítica dos sujeitos a partir das categorizações de gênero, raça/etnia, identidades sexuais, geração, entre outros. Este campo de estudo parte da perspectiva de que estes aspectos não podem ser encarados apenas como entidade natural, mas sim como uma dimensão produzida na/pela cultura e que, portanto, passam por elaborações culturais que estabelecem padrões de normalidade inseridos em determinado contexto, tempo e lugar. Neste cenário, poderes e saberes se assentam estrategicamente na sociedade, estabelecendo uma falsa ordem natural, hierarquizando os sujeitos. É neste mesmo cenário, em que estas distinções são desenhadas, que ocorrem os processos de permanências e resistências, todos objetos de estudo deste campo. Diferentemente de outras correntes teóricas, os EC buscam criticar estas relações e hierarquizações, como também propor mudanças.
Assim, um olhar mais cuidadoso permite perceber a cultura como um espaço de luta e contestação, onde os significados são fixados e negociados. E é nesta direção que a Pedagogia Institucional se insere. Considerada como uma nova vertente da educação, mesmo que discutida desde a década de 1960, caracteriza-se por criticar as instituições de ensino existentes, ao passo que busca ultrapassar os muros da escola e diversificar o papel do/a professor/a e do aluno/a. Esta metodologia de ensino busca transformar conflitos em situações de aprendizagem, busca promover através da diversidade existente entre alunos, o enriquecimento do grupo. Para atingir os objetivos a que se propõe lança mão de instrumentos, métodos e práticas orientadas ativamente, colocando o aluno em situações diversificadas, provocando a co-responsabilidade e o engajamento do grupo.
Diante dos argumentos expostos entendo que os EC culturais enquanto campo teórico abrange o estudo das mais diversas pedagogias culturais, constituindo-se como uma nova forma de perceber e criticar as questões educacionais e propor métodos que atendam ao propósito de transformar paradigmas cristalizados através das relações hierarquizadas entre os sujeitos.
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