quinta-feira, 8 de abril de 2010

Permanências e Mudanças na Educação Superior

O sistema educacional brasileiro apresenta igualdade de oportunidades no tocante ao acesso e permanência no sistema, no entanto ostenta intensa desigualdade associada ao gênero.
Dados do INEP (2005) mostram uma tendência de igualdade na perspectiva do acesso ao ensino superior quando comparamos o ingresso de homens (45%) e mulheres (55%) entre 18 e 24 anos, e de homens (56%) e mulheres (44%) na faixa etária acima de 24 anos. Estes números permitem inferir que a barreira entre os sexos vem sendo rompida (BRASIL, 2008).
No entanto, estes mesmos números mostram que as mulheres são minoria nas áreas de engenharia e tecnologia, enquanto que predominam em cursos como secretariado, serviço social, pedagogia e enfermagem. É importante ressaltar que são entre os cursos mais pretendidos pelas mulheres que se concentram os menores percentuais de estudantes com maior renda, e isto garante que o perfil destes cursos seja composto na maioria por mulheres com menor poder aquisitivo quando comparado aos demais cursos.
Embora a questão de gênero seja estudada por pesquisadores/as (FARAH, 2001; MACEDO, 2006; ROSEMBERG, 2001; STROMQUIST, 2007; VIANNA, UNBEHAUM, 2004, 2006), estas preferências precisam ser analisadas com maior profundidade para identificar os aspectos que explicam esse fenômeno e as suas implicações.
Historicamente existe uma associação de determinadas profissões marcadas como masculinas ou femininas, possivelmente devido à cultura patriarcal que estabelece uma relação entre o sexo biológico e o desempenho de algumas atividades humanas, reproduzindo um fenômeno de sexualização/generificação das ocupações e carreiras.
Bourdieu (2005) afirma que as atividades estão distribuídas em pares de opostos, aquelas tidas como masculinas/públicas/descontínuas/extraordinárias em oposição àquelas tidas como femininas/privadas/contínuas/rotineiras.
O fato é que o maior número de mulheres nas universidades não tem refletido mudanças efetivas nas escolhas das profissões, pois estão relacionadas a relações de gênero socialmente construídas entre os sexos. Essas relações sobrepõem-se a identificação de sexo e estão relacionadas às complexas relações de poder que marcam a sociedade.
Para Boudieu (2005, p. 108, 109),

“[...] mudanças visíveis de condições ocultam, de fato, a permanência nas posições relativas: a igualização de oportunidades de acesso e índices de representação não deve mascarar as desigualdades que persistem na distribuição entre os diferentes níveis de escolaridade e, simultaneamente, entre as carreiras possíveis”.

Ainda de acordo com este sociológo, a escolha por determinadas profissões em detrimento de outras está associada a três princípios práticos: primeiro, as atividades as quais as mulheres sentem-se predispostas a executar são aquelas que representam o prolongamento das funções domésticas (ensino, cuidados, serviços); segundo, a mulher tende a desempenhar atividades que a coloquem em posição de subalternidade em relação aos homens; terceiro, o monopólio do homem no manuseio de objetos técnicos e de máquinas.
Diante disto, ainda que haja mudanças na condição de acesso e escolarização feminina, estas obedecem à lógica do modelo tradicional onde o homem mantém-se em carreiras que demandem autoridade e poder, sobretudo nas áreas de tecnologia, economia e política, enquanto que as mulheres ocupam espaços relacionados ao serviço social e a educação (hospitais e escolas).
Este modelo se perpetua a partir das práticas desenvolvidas pelo Estado, Igreja e Escola e, sobretudo pela Família. Estas estruturas, ao passo que reproduzem, mantêm as hierarquias (profissionais, disciplinares), bem como as predisposições hierárquicas que elas favorecem e que levam as mulheres a contribuir para sua própria exclusão dos lugares de que elas são sistematicamente excluídas.
Sobre a socialização das diferenças entre homens e mulheres e a influência da escola Boudieu (2005) afirma:
“A masculinização do corpo masculino e a feminilização do corpo feminino [...] determinam uma somatização da relação de dominação, assim naturalizada. É através do adestramento dos corpos que se impõem as disposições mais fundamentais, as que tornam ao mesmo tempo inclinados e aptos a entrar nos jogos sociais mais favoráveis ao desenvolvimento da virilidade: política, os negócios, a ciência etc. A educação primária estimula desigualmente meninos e meninas a se engajarem nesses jogos e favorece mais nos meninos as diferentes formas de libido dominandi, que pode encontrar expressões sublimadas nas formas mais “puras” da libido social, como a libido sciendi “ (BOURDIEU, , p. 70).

A mudança mais importante é que a dominação do homem sobre a mulher não são se impõe mais como algo evidente, natural e incontestável. Esta dominação é relacional e mutável, e resulta das relações estabelecidas em instâncias, como a família e a escola, que reproduzem e hierarquizam os gêneros a partir da diferença biológica entre os sexos, estabelecendo posições e ocupações desiguais entre homens e mulheres.
Eliminar as diferenças na escolha das profissões com base no gênero no ensino superior é o primeiro passo para consolidar a participação das mulheres em todas as profissões em que estas estão subrepresentadas (CONFERÊNCIA MUNDIAL..., 1998).
Diante destas colocações, destacamos que mudanças significativas ocorreram no sentido de ampliar o acesso das mulheres ao ensino superior. No entanto, obstáculos sociais, econômicos e, sobretudo culturais determinam permanências que impedem oportunidades iguais para homens e mulheres e superá-los é uma prioridade para a construção da equidade entre os gêneros.



1. BRASIL. Simpósio Gênero e Indicadores da Educação Superior Brasileira, Brasília-DF, 6 e 7 de dezembro de 2007 / comissão organizadora: Dilvo Ristoff ... [et al.]. – Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008. 176 p.
2. BARROSO, Carmen. Metas de desenvolvimento do milênio, educação e igualdade de gênero. Cad. Pesqui. 2004, vol.34, n.123 ISSN 0100-1574.
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO SUPERIOR. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação. Paris, 9 de outubro de 1998.
3. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
4. FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Rev. Estud. Fem. 2004, vol.12, n.1
5. MACEDO, Elizabeth. Por uma política da diferença. Cad. Pesqui. 2006, vol.36, n.128
6. VAVASSORI, Mariana Barreto. Mudanças e permanências: um olhar antropológico sobre as relações de gênero na cultura brasileira. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 14, n. 2, Sept. 2006.
7. ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas educacionais e gênero: um balanço dos anos 1990. Cad. Pagu, Campinas, n. 16, 2001 .
8. STROMQUIST, Nelly P. Qualidade de ensino e gênero nas políticas educacionais contemporâneas na América Latina. Educ. Pesqui. 2007, vol.33, n.1
9. THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, Feb. 2006.
10. VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: A herança sociológica. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 78, Apr. 2002 .
11. VIANNA, Cláudia Pereira and UNBEHAUM, Sandra. O gênero nas políticas públicas de educação no Brasil: 1988-2002. Cad. Pesqui. 2004, vol. 34, n.121.
12. VIANNA, Claudia and UNBEHAUM, Sandra. Gênero na educação básica: quem se importa? Uma análise de documentos de políticas públicas no Brasil. Educ. Soc. 2006, vol.27, n.95

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